UM PAPO COM RUI BARBOSA

23-11-2010 15:13

Jornalista: – Alguns imortais estavam reunidos na Academia e comentavam que o senhor tem mania de ler dicionário, é verdade?

Ministro Rui: - Não vejo nesse hábito meu preclaro jornalista, nenhuma mania. Vejo sim, uma disciplina do querer, para o desenvolvimento do  meu próprio conhecimento. Não existe nada mais laborioso do que ler palavras em dicionários e gravar o seu significado. Lê-los dir-se-ia, tornar-se para mim um instrumento auxiliar no emprego natural das palavras corretamente nas sentenças, quando escrevo ou quando falo.

Portanto, ler dicionário é uma forma também de aprender.

Jornalista:- Quando o senhor regressou à Bahia, depois de concluído o seu curso de Direito, o senhor continua a dedicar-se aos livros, como se ainda tivesse de prestar exames. De dia e noite não os largava, no seu afã de tudo saber. Por que este sacrifício?

Ministro Rui: - Distanciado de Salvador numa localidade de uma bela orla marítima, meu pai montou uma pequena indústria, aproveitei o isolamento para me aprofundar no estudo da literatura inglesa, convertendo os livros em refúgio e consolação de todos os dias. De vez em quando, realizavam-se corridas de cavalos na praia, atraindo atenção do lugar. Só eu não ia. Isso incomodou muito. Um dia insistiram comigo para deixar um pouco os estudos e olhar as corridas, o meu pai respondeu por mim, mostrando o oceano: - “É mais fácil tirar o mar dali do que o Rui dos livros.”

Jornalista: - Sabemos que o senhor é o autor do decreto de banimento da família imperial, por força dos acontecimentos, o senhor acompanhou ao lado do seu amigo major Carlos Nunes de Aguiar, com a ajuda de um binóculo da janela de sua casa no Flamengo, a saída barra afora do vapor Alagoas que conduzia para o exílio o velho monarca. Neste momento, é verdade que o senhor chorou?

Ministro Rui: - O Choro por um sentimento nunca foi demérito para um homem de bem. Daí em diante, esse mesmo amigo, sempre que me via ferido por uma injustiça dizia-me  estas palavras: “Você teve razão de chorar quando o imperador partiu.”

Jornalista: - A sua biblioteca particular não estava catalogada. Mas soube que o senhor tinha na memória não somente cada volume na sua estante, como ainda o lugar que esse volume ocupava na prateleira, é verdade?   

Ministro Rui:- Eu mandava o meu secretário. Antonio Joaquim da Costa, buscar de longe a obra de que eu necessitava, indicava com exatidão onde a mesma se encontrava. Esse mesmo secretário pensou em organizar o catálogo da biblioteca e pediu-me para isto a necessária permissão.

Eu lhe interroguei: Deixou você algum dia de encontrar, pelas minhas indicações o livro que eu necessitasse? Diante da negativa. Eu falei: “Enquanto tiver memória, sei onde eles se acham. Quando ela me faltar não precisarei mais deles.”

Jornalista: - Um dia o senhor ao chegar a sua casa, fala-se que ouviu um barulho estranho vindo do seu quintal. Chegando lá constatou de haver um ladrão tentando levar seus patos de criação. O que o senhor disse para o ladrão?

Ministro Rui: - Fazem uma brincadeira comigo e dizem que eu me aproximei do infrator da lei, vagarosamente, e o surpreendi ao tentar pular o muro, com os meus patos, e disse-lhe:  “Oh bucéfalo anácrono! Não interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito de minha habitação, levando os meus ovíparos e sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo, mas se é para zombares de minha elevada prosopopéia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que eu te reduzirei à qüinquagésima potência que o vulgo denomina nada”.

E o ladrão atônito, completamente confuso, diz:

Dotô, eu levo ou deixo os patos?

Veja que brincadeira?      

 

Rev.Oton Miranda de Alencar